«O ensino musical em Portugal»

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Até á apparição de Schumann, Liszt, Wagner, os músicos eram de todos os artistas os menos instruídos. Choppin nunca lia, nem mesmo talvez os livros da sua amiga George Sand [...]; de Haydn diz-se que quando conversava com alguem nem parecia artista; Beethoven passou a edade viril n'um admiravel esforço de estudo para resarcir-se da deficiencia da instrução que recebera na mocidade, e recuperar o tempo dessa forma perdido; e ainda nos nossos dias Bruckner, o notavel sinfonista austriaco, não tinha o menor interesse pelas outras artes, sendo quasi levado á fôrça uma unica vez a um museu, uma outra a vêr o Othello n'um theatro (a tragedia, não a opera).
Ha infelizmente ainda bastante gente que não comprehende a profunda relação que existe entre a musica e as outras faces do nosso espirito, e quando uma creança mostra aptidão excepcional para a musica julgam sufficiente dar-lhe uma educação exclusivamente musical, descurando todos os outros conhecimentos: «quem se destina a ser musico, não precisa saber outra cousa». Já ouvi sustentar a seguinte these: «O artista tem que ser profundamente estupido».
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in Mota, J. V. (1917). O ensino musical em Portugal. A Águia, 70, p. 118.