Joseph Haydn: Quarteto Op. 76, n.º 4, I

O Classicismo musical caracteriza-se por uma revolução no pensamento dominante, na esteira do pensamento iluminista então emergente. Nesta linha de pensamento, Charles Burney escreve, em 1776, que "a música é um luxo inocente e, em boa verdade, desnecessário à nossa existência, embora seja grandemente proveitosa e agradável ao sentido do ouvido." Tal afirmação contrasta com o que Andreas Werckmeister afirmara menos de cem anos antes, quando dissera que a música é "uma dádiva de Deus para ser usada apenas em Sua Honra." [Grout, D. J. e Palisca, C. V. (2001). História da Música Ocidental (2.ª edição). Lisboa: Gradiva, p. 475]. Esta mudança no paradigma dominante retrata uma das características essenciais à revolução no pensamento ocorrida na Europa do Século XVIII e que esteve na base, não só, da Revolução Francesa, (1789/99) como da instituição dos Estados Liberais e Monarquias Constitucionais emergentes na Europa de finais do Século XVIII e princípios do Século XIX. Em Portugal, tal se caracteriza, após a independência do Brasil ocorrida a 7 de Setembro de 1822, pela outorga da Carta Constitucional de 1822 e pela Guerra Civil que se lhe segue, a qual termina em 1834 com a vitória dos liberais encabeçados por D. Pedro IV.
É neste contexto histórico e sociológico que temos de ver o surgimento do período que na História da Música se vulgarizou sob a designação de Classicismo (1750/1809). Este, apesar de ser um movimento estético comum a diversas formas artísticas -- de facto, a designação de Classicismo advém, antes de tudo, das artes plásticas --, o período histórico-temporal em que o mesmo decorre não é rigorosamente coincidente entre estas, apesar de, no seu geral, decorrer ao longo da segunda metade do Século XVIII. No que diz especificamente respeito à música erudita, este é um período ditado por novas formas musicais, as quais procuram uma maior simplicidade nos meios de expressão, caracterizada em formas menos complexas do que no período histórico anterior (Barroco, ca. 1620/1750) e numa menor complexidade harmónica, nomeadamente com um ritmo harmónico tendencialmente mais lento.
Um dos compositores bastante conhecidos deste período da história da música ocidental é sem dúvida Joseph Haydn. Autor de inúmeras Sinfonias, Sonatas e Quartetos, marca a transição estilística entre os períodos, Barroco e Clássico, com uma imensa produção musical de elevada qualidade artística. Entre as obras que compôs se inclui o Quarteto Op. 76, n.º 4, de cujo primeiro andamento, encontrando-se em forma Sonata, a seguir coloco a respectiva partitura (integral) bem como dois vídeos, o primeiro referente ao seu primeiro andamento e o segundo ao seu quarto andamento, permitindo assim uma análise mais detalhada do mesmo.





Esquema formal do seu 1.º andamento

1 a 68 Exposição
1 a 27 T1
27 a 36 Ponte
36 a 60 T2
60 a 68 Coda
69 a 108 Desenvolvimento

108 a 188 Reexposição
108 a 138 T1
138 a 141 Ponte
141 a 162 T2
162 a 188 Coda

Observações:

  1. Existe uma identidade temática entre aquilo que designamos de T1 (1.º Tema) e de T2 (2.º Tema). Este é, aliás, um procedimento algo comum durante o Classicismo, uma vez que, no seu essencial, o mais importante, na Exposição da forma Sonata, é o contraste entre duas tonalidades e não o de dois materiais de características distintas, algo que só se tornará verdadeiramente obrigatório no Século XIX.
  2. Todo este andamento é, no seu essencial, constituído por três materiais distintos, A (1.º e 2.º Temas), B (Ponte) e C (Coda). Com este recurso técnico, Haydn consegue aqui uma extrema coerência deste andamento como um todo.